terça-feira, 30 de março de 2010

Pequenos agricultores

29 de março de 2010
Por Gisele Brito

O Brasil é um dos países mais industrializados do mundo e mais de 80% da sua população vive em centros urbanos.
Apesar disto, o País é um dos maiores produtores agrícolas do planeta, com 200 milhões de hectares de áreas agricultáveis. Mesmo com tantas terras, a concentração delas representa um dos principais motivos de desigualdade social e o trabalho no campo é pouco valorizado.
A agroindústria cresce cada vez mais e setores como o da soja e da pecuária são apontados tanto como responsáveis pelos números positivos da balança comercial quanto pelo desmatamento da Amazônia.

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    Mesmo ocupando uma área menor do que a da agricultura industrializada – cerca de 24% contra 76% –, é o pequeno agricultor o responsável por cerca de 35% dos produtos que compõem as cestas básicas distribuídas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Eles ainda produzem 70% do feijão consumido no dia a dia do brasileiro, além de a agricultura familiar ocupar 74,4% dos trabalhadores do campo. Para se ter uma ideia, segundo o censo agropecuário realizado em 2006, naquele ano havia mais gente trabalhando na agricultura familiar do que na construção civil. E são esses trabalhadores, que chamam o próprio local de trabalho de “roça”, os responsáveis por 38% do Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio, estimado em R$ 54 bilhões. Apesar dos avanços nas políticas públicas voltadas para o setor, o pequeno agricultor ainda enfrenta grandes dificuldades, como aponta Antoninho Rozaris, secretário de política agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. “Hoje os principais desafios são a comercialização, o acesso a novas técnicas e políticas públicas de garantia de preços mínimos”, enumera. Sem a garantia de preços, o casal Becino Pereira Magalhães, conhecido como “Cabeção”, e Josefa Cleide de Lima, suinocultores na cidade de Embu-Guaçu, região metropolitana de São Paulo, contam que, no final do ano passado, tiveram que vender seus produtos por menos do que o custo da produção. “Vendemos os leitões por R$ 2 a arroba. Isso não paga nem a ração. Mas a gente não tinha mais como alimentá-los aqui”, conta Josefa. “Temos que avançar muito nas políticas de garantia de preço, apesar de ser uma das que mais recebe recursos. A questão é que ela não é uma ação exclusiva para a agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos, que abastece o Fome Zero, e sempre esteve voltada para grandes produtores. Neste ano, por exemplo, a expectativa é que muitos recursos sejam direcionados para a soja”, admite o diretor de geração de renda do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Arnoldo de Campos. “Cabeção” e Josefa fazem de tudo na pequena propriedade, desde limpar o ambiente dos animais até realizar o procedimento para inseminar artificialmente as fêmeas, o que exige até o manuseio de microscópios. “A gente faz tudo quanto é curso. Tem sempre que se aprimorar, porque a tecnologia é muito grande. A gente vai nessas feiras por aí e não acredita que tem tanta coisa para suínos”, conta “Cabeção”. Financiamento Exatamente para melhorar a produção que o casal buscou financiamento de R$ 30 mil por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, (Pronaf). “Para a gente é ótimo, porque os juros são bons. Mas o grande problema é que o banco não tem interesse em liberar o dinheiro, até o Banco do Brasil”, relata o agricultor. Para Campos, muitas agências “não estão capacitadas” para atender esses clientes, porque estão acostumadas aos microempresários. “Daí, quando chega lá um pequeno agricultor que vai pedir um empréstimo de R$ 1 mil, o gerente acaba dizendo que não vai dar”, afirma. Ainda assim, este ano serão emprestados R$ 15 bilhões. “Hoje o Pronaf atinge 3 milhões de famílias. E isso graças ao empenho dos bancos públicos, porque os privados vendem suas cotas obrigatórias de empréstimos para a agricultura familiar para o Banco Central, exatamente para não ter que lidar com o pequeno agricultor”, diz Campos. Para o geólogo e professor de geografia agrária da Universidade de São Paulo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, os desafios para a melhora nas condições de vida e trabalho no campo passam por uma questão anterior aos financiamentos. Muitas famílias não podem ter acesso a essas políticas de financiamento porque não têm documentação que comprove a posse da propriedade e as suas dimensões. “Junto das políticas de financiamento deveria haver políticas de regulamentação fundiária. O que é uma luta histórica no Brasil, porque atinge diretamente o interesse dos grandes donos de terra”, lembra. O casal Kinjiro Tutiya, de 71 anos, e Aiko Nakaharada, de 70, fazem parte do 1,3 milhão de agricultores familiares que ainda não conseguiram ter acesso a crédito. No caso deles, não por despreparo dos gerentes de banco, mas porque não conseguem comprovar que se enquadram na agricultura familiar. “Isso aí é muito complicado. Para a gente que é pequeno, não dá”, ressalta Tutiya. Eles vivem no sítio há mais de 40 anos e hoje produzem tomate cereja e algumas verduras. Toda a produção é vendida a feirantes, mas eles não emitem notas fiscais e por isso não conseguem comprovar que a produção é pequena. “Eles poderiam até ter uma produção maior, mas não têm como investir. Estão presos a um jeito de fazer que não os permite melhorar. Os recursos do Pronaf deveriam ser para produtores como eles, mas eles são os que têm mais dificuldade em acessá-los”, explica o secretário de agricultura de Embu-Guaçu, Roberto Yamada. O casal teve três filhos. Dois fizeram curso superior e vivem em outras cidades. Só um ficou para ajudar os pais. “Tudo que eu tive, que não sei nem direito o que foi, investi neles. Eu pensei: ‘Eles vão fazer faculdade’, e fizeram. Esse está aqui porque quis”, conta Aiko, com o sentimento de missão cumprida, mesmo com as dificuldades. (Publicado originalmente na edição 932 da Folha Universal) Publicado no Movimento dos trabalhadores Rurais sem terra.




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