terça-feira, 25 de janeiro de 2011

NOSSA CULTURA E SUAS RAÍZES


“As manifestações folclóricas são o mais cristalino
traço de genialidade e brilho do povo brasileiro”
(Luiz da Câmara Cascudo)


Delúbio Soares (*)
A matriz de nossa cultura vem das raízes do povo. É no Brasil profundo, das entranhas de nosso sofrido e adorado país, dos seus valores e da sabedoria infinda de sua gente, que as artes plásticas, a música, a arquitetura, a literatura, a poesia, buscam a inspiração e encontram o fermento para a criação do que de melhor nós temos.
Heitor Villa-Lobos é tão conhecido em todo o mundo quanto no Brasil. Tocado da Filarmônica de Berlim à Royal Britânica, regidas por nomes como Von Karajan ou Gustavo Dudamel, o brasileiro levanta platéias e encanta gerações. Gênio, comparável e comparado aos maiores compositores eruditos europeus, buscou nas cantigas de roda e no folclore de nosso interior, na alma do caipira e do seu trenzinho, a matéria-prima de sua produção fantástica.
Oscar Niemeyer, o maior arquiteto da atualidade em todo o mundo, o discípulo de Le Corbisieur que superou o mestre, buscou numa taba de índios de nossa Amazônia a inspiração para algumas de suas obras mais impactantes, como a Oca, do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, além de vários edifícios nos cinco continentes, onde se destaca o traço arrebatador do gênio que nos orgulha e nos alegra na plenitude de seus 103 anos.
Os painéis de Portinari, outro gênio que o Brasil doou ao mundo, adornam os salões de entrada do majestoso edifício das Nações Unidas, no coração de Nova York. Agora estão de volta ao Brasil para um cuidadoso trabalho de restauro por profissionais brasileiros. Antes, em iniciativa das mais felizes, foram colocados à disposição dos olhos e dos corações de nossa gente, em exposição pública. Filas serpentearam pelo centro do Rio de Janeiro, debaixo de sol e de chuva, em plena virada do ano, para que homens e mulheres, crianças e idosos, pudessem se deleitar com as cores vivas e os traços miraculosos do maior de nossos pintores. Portinari, coberto de glória em seu país e de admiração internacional, jamais deixou de ser o “Candinho”, menino pobre e de olhos vivos, que passeava descalço pelas ruas de sua pequenina Brodósqui, e buscou no povo do interior, nos sertanejos que fugiam da seca, nas crianças que soltavam pipas e balões de São João, a inspiração para sua obra monumental que a todos nós orgulha e extasia.
A arte brasileira, depois da Semana de Arte Moderna de 1922, com o rompimento com o conservadorismo acadêmico e a arte sem compromissos com a realidade do Brasil e seu povo, passou a buscar nas raízes da nacionalidade, no interiorzão do país, a fonte geradora de sua melhor fase. E a arte popular, com o folclore rico e poderoso que vem do coração e das tradições de nossa gente, é base de nossa cultura.
Já escrevi sobre uma das lembranças de minha infância, a Festa do Dia de Reis, com o bailado invadindo as ruas do interior goiano, a alegria mais pura e cristalina brotando do coração dos meus conterrâneos, a hospitalidade dos vizinhos em receber a visita da Bandeira do Divino ou do Estandarte dos Santos Reis. É uma tradição que vem do século XVI e foi trazida pelos portugueses colonizadores. Mas era mais formal e menos alegre, tingida com as cores sóbrias e algo conservadoras de um europeísmo que não tinha razão de ser. O que fez o nosso caipira? Deu ao Dia de Reis a alegria e o ritmo que lhe faltavam, incorporando à cantoria e às vestimentas a dança, a comida, a bebida e um gingado expressivo e gracioso que vem da senzala - herança dos nossos irmãos negros vindos da África como escravos - com a congada e a catira.
Vale recordar o que escrevi faz mais de um ano sobre essa surpreendente e belíssima festa que me hipnotizava na infância e que, ainda agora, com meio século de vida, trago no coração: “Em Goiás e Minas Gerais estão suas manifestações mais belas, que ainda guardam os traços profundos de fé, esperança e alegria que impressionaram tanto o botânico austríaco Johan Pohl, quanto o celebrado naturalista francês Saint-Hillaire, que perambularam pelos sertões goianos no século XIX e registraram para a posteridade as surpreendentes comemorações que presenciaram em mais de um lugarejo. (...) A Procissão do Fogaréu em Goiás Velho, as cavalhadas em Pirenópolis e Jaraguá, a festa do Divino Pai Eterno, em Trindade, reúnem milhões de goianos e de brasileiros de diversos Estados, em demonstrações impecáveis de fé e alegria”.
Quando, em seu discurso de posse perante o Congresso Nacional, Dilma Rousseff reafirma seus compromissos com a cultura nacional e a coloca como uma das prioridades de seu governo, nossa presidenta eleva a questão cultural a seu merecido patamar, potencializando um trabalho já iniciado pelo presidente Lula. Um país sem memória ou sem cuidados para com seu patrimônio artístico, cultural e histórico, é uma terra fadada a não conhecer o êxito na posteridade. E Dilma mostrou seu comprometimento e sua decisão de incentivar tão importante segmento de nossa vida.
Meu Estado natal é pródigo em manifestações folclóricas, como a Procissão do Fogaréu, a Folia de Reis, a Festa do Divino, as Cavalhadas e eventos que marcam o calendário cultural e turístico de Goiás de norte a sul, de leste a oeste. Não há Município, por menor que seja, onde por iniciativa de sua população e muitas vezes sem a ajuda oficial, onde tais festas não se revistam de impressionante beleza plástica, com uma profusão de sons e de cores que fascinam e alegram, além de trazerem em seu bojo a reafirmação da profunda fé religiosa e da perpetuação de nossa cultura e de suas melhores e mais genoínas tradições populares.

(*) Delúbio Soares é professor





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