terça-feira, 15 de março de 2011

MULHERES GUERRILHEIRAS

Quando os militares marcharam pelas ruas das principais cidades brasileiras, proclamando o golpe de estado, em 1964, foram recebidos de braços abertos pelas mulheres representantes da família e dos bons costumes da moral vigente. Se a presença da mulher foi decisiva na consolidação do golpe militar, ela não foi menor na luta contra a ditadura. Contrariando os princípios estabelecidos pela sociedade do seu tempo, elas abandonaram a vida burguesa para a qual foram criadas, deixaram as salas de aulas das faculdades, pegaram em armas e foram para as ruas das grandes cidades ou para o meio das selvas, combatendo os canhões e fuzis da repressão. Eram as mulheres guerrilheiras.
A maioria delas eram jovens de pouco mais de vinte anos, nascidas nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial ou pouco tempo depois, filhas das ideologias da Guerra Fria. Desabrocharam na década de sessenta, divididas entre a revolução sexual, a liberação feminina e os ideais de esquerdas. Lutaram contra a repressão da sociedade do seu tempo e, fundamentalmente, contra a opressão de uma ditadura sanguinária.
Valentes, destemidas, bonitas, femininas, elas suscitaram as mais controversas opiniões, chegando a ser admiradas e respeitadas pelos seus algozes. Muitas sucumbiram às torturas ou tombaram executadas nas matas. Todas muito jovens, universitárias em sua maioria, vindas da militância do movimento estudantil. Depois da queda da UNE, com as prisões das suas lideranças no congresso de Ibiúna e o decreto do AI-5, elas caíram na clandestinidade. Restou, como um último fôlego, a luta armada.
Não perdiam o seu lado feminino, vivendo amores intensos com os companheiros de luta, muitas vezes transformados em maridos. Mas a grande paixão era a ideologia, o que lhes dava força para continuar quando, muitas vezes, viam o companheiro tombar à frente.
Despidas das vaidades femininas, elas foram para as ruas, assaltaram bancos, seqüestraram embaixadores, empunhando armas e coragem. Além das guerrilhas urbanas, dezesseis mulheres fizeram parte das operações da guerrilha do Araguaia. Doze foram executadas, duas foram presas logo no início e duas outras, grávidas, desertaram.
Mulheres guerrilheiras, com a sua tenacidade heróica, tornaram-se ícones e mitos da história recente do Brasil. Muitas foram friamente torturadas e executadas. Algumas sobreviveram, viram ruir a ditadura, as ideologias que defendiam, a mudança dos tempos. Outras desapareceram em valas comuns, sem nunca serem veladas pelas famílias. Outrora os nomes de algumas delas constavam em cartazes de “procura-se” espalhados pelo país, agora voltaram, sendo homenageadas com nomes de ruas ou de centros acadêmicos. O Brasil democrático deve respeito e admiração a essas mulheres, que mesmo errando, resistiram e gritaram, quando a ordem era silenciar e ajoelhar-se ante as truculências de um regime feito nas casernas militares, longe da participação do povo brasileiro.

Vera Sílvia, a Loura Noventa

Nascida em uma classe média alta do Rio de Janeiro, em 5 de fevereiro de 1948, Vera Sílvia Magalhães tinha tudo para desfrutar com tranqüilidade dos benefícios que lhe proporcionava o capitalismo burguês. Bonita, economicamente favorecida, inteligente, ela escolheu caminhar pela esquerda da vida, política e sociologicamente.
Aos onze anos foi presenteada por um tio, com o livro que trazia o “Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engel. Precoce e ingenuamente, ela assumiu os princípios de ser socialista, distribuindo os seus pertences com os pobres à sua volta. Aos quinze anos, começou a sua militância política através do movimento estudantil. Aos dezenove já pertencia ao comitê central da Dissidência da Guanabara, surgida de um racha do PCB da Guanabara, futuramente chamado de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).
Quanto mais envolvida na militância política contra a ditadura militar, Vera Sílvia rompia com a sua vida burguesa, deixando aos poucos, a família, os estudos e os antigos amigos. Quando deu por si, já estava a escrever a linha a ser seguida pelo seu partido, ao lado de Franklin Martins, rompendo com a linha pacifista de 1967, herdada do PCB, transformando-o em um partido militarista, radicalizado pelo esquerdismo e disposto a travar a luta armada contra o regime militar. Seguindo esta linha, foi treinada em táticas de guerrilha, por João Lopes Salgado, na mata da Tijuca. Surgia a valente guerrilheira, que de arma em punho, passou ao lado dos companheiros, a fazer ações de assaltos a supermercados e a bancos.
Nos assaltos praticados, Vera Sílvia aparecia usando uma peruca loura, atraindo para si as atenções, tida no imaginário popular como bela e perigosa. Lendas começaram a girar ao seu redor, passando a ser conhecida popularmente como a “Loura dos Assaltos", ou a “Loura 90”, uma referência ao mito de que usava nos assaltos, duas pistolas de calibre 45. A própria Vera Sílvia desfez, mais tarde, a lenda, afirmando que mal tinha um velho revólver 38, que de vez em quando falhava nos disparos.
Mas a ação que deu notoriedade a Vera Sílvia foi o seqüestro ao embaixador norte- americano, Charles Elbrick, em setembro de 1969. Sendo a única mulher a participar da ação, passou a ser a mais procurada e odiada pelo regime militar. O seqüestro resultou em uma grande derrota para a ditadura, que se viu obrigada a negociar com os guerrilheiros, trocando prisioneiros políticos pelo embaixador. A partir de então, os militares endureceram na caça aos guerrilheiros. Em fevereiro de 1970, Vera Sílvia sobreviveu a um cerco policial, mas viu o seu companheiro, José Roberto Spigner, a tombar na sua frente.
Em março de 1970, seis meses após o seqüestro do embaixador norte-americano, Vera Sílvia fazia uma panfletagem na favela do Jacarezinho, quando foi cercada e atingida com um tiro na cabeça. Foi levada para o Hospital Central do Exército (HCE), onde teve a sorte de ser atendida por um companheiro de luta, ali residente como médico. Para evitar que fosse torturada naquele dia, o médico simulou uma convulsão na paciente. No dia seguinte, ela foi levada pelos policiais, com a promessa de que “seria torturada como um homem, como Jesus Cristo”, alusão feita já que estavam na semana da Páscoa. Oito homens torturam com perversos requintes de sadismo, à “Loura 90”, aplicando-lhe choques, pendurando-a no pau-de-arara, fustigando-lhe todas as partes de corpos. Debilitada e com uma hemorragia renal, ela foi levado para o hospital, em junho, sem poder andar. Foi nesta ocasião que aconteceu o seqüestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, trocado mediante a libertação de 39 presos políticos. Vera Sílvia tinha o seu nome incluído na lista. De todos que ali estavam, ela foi a única que gerou constrangimentos ao regime militar, visto que estava tão debilitada, que não podia andar, sendo levada em uma cadeira de rodas até o avião que partiria para a cidade de Argel, tendo a bordo os 39 guerrilheiros rumo ao exílio. O caso de Vera Sílvia atraiu os holofotes internacionais, que ao ver o seu estado precário, numa cadeira de rodas e com 25 quilos a menos, confirmou a tortura nos calabouços da ditadura, veementemente negada pelos militares.
No exílio, Vera Sílvia chegou a seguir para Cuba, onde se tratou e fez treinamentos de guerrilhas. Perambulou pelo Chile, Argentina, Suécia e França, onde permaneceu até a Anistia, em 1979. Em 1973, Vera Lúcia deixou definitivamente a militância em organizações guerrilheiras. Costumava dizer que ela e os seus companheiros não amavam a democracia, amavam a revolução, lutavam pela ditadura do proletariado, não pela democracia.
Vera Sílvia morreu aos 59 anos, em 4 de dezembro de 2007, no Rio de Janeiro. Trazia seqüelas da tortura no corpo e na alma. Da beleza da guerrilheira trazia a determinação, movida por um semblante pesado e pela velha ternura obstinada. Em uma reportagem, disse sobre o período que foi guerrilheira: “Valeu. Só não valeu para quem morreu... O que havia de melhor na minha geração fez o que eu fiz.


Iara Iavelberg, Injustamente Enterrada no Vale dos Esquecidos

Bonita, feminina e vaidosa, Iara Iavelberg nasceu em uma família de abastados judeus paulistanos, em 7 de maio de 1944, em São Paulo. Seu destino parecia traçado quando, aos dezesseis anos, casou-se com o médico israelita Samuel Halberkon. Mas as infidelidades do marido e a suas aspirações ideológicas, fizeram com que dele se separasse três anos depois.
Iara Iavelberg estudou psicologia na Universidade de São Paulo, tornando-se professora. Fez parte das mulheres da sua geração que se propuseram a mudar a condição feminina. Quebrou todos os tabus e dogmas do seu tempo; mulher desquitada, militante política de esquerda, seguidora do amor livre que se pregava então, ela foi bem além da proposta do seu tempo, pagando com a própria vida a quebra com os laços.
Alta, loira, olhos claros, era considerada a musa da esquerda. Quando aderiu às guerrilhas urbanas, jamais deixou de cuidar do seu corpo, da sua beleza, jamais perdeu a delicadeza feminina, tão pouco os hábitos de cuidar da aparência física e das roupas que usava, algo esdrúxulo para uma guerrilheira. Sua beleza e jeito de seguir livre atraíram o amor fugaz de vários companheiros, entre eles o líder estudantil José Dirceu.
Mas foi a paixão que seduziu o capitão Carlos Lamarca, o mítico líder guerrilheiro da resistência à ditadura, que fez de Iara Iavelberg uma guerrilheira notória. Lamarca havia enviado a mulher e os filhos para Cuba, quando se viu envolto pelos encantos de Iara. Por sua vez, sendo a mulher do homem mais procurado e odiado pelo regime militar, também ela tornar-se-ia um alvo cobiçado, tendo a sua imagem estampada em cartazes espalhados pelo país, procurada como terrorista.
No início de 1971, Lamarca foi enviado pelo MR-8 para o interior da Bahia, visto ser o homem mais procurado da organização. Iara Iavelberg, alçada à cúpula do MR-8, foi enviada para Salvador. Na capital baiana, vivia com o militante Félix Escobar, vinte anos mais velho, assumindo o disfarce de pai e filha. Seria em um apartamento do bairro da Pituba, que os militares teriam encontrado Iara no dia 20 de agosto de 1971. Vendo-se cercada, ela teria escapado para o apartamento vizinho, trancando-se no banheiro de empregada. Descoberta por uma criança, que assustada avisou aos militares, Iara Iavelberg teria, segundo a versão oficial dos seus algozes, suicidado-se com um tiro no peito. Tinha apenas 27 anos.
Para atrair Carlos Lamarca, os militares mantiveram o corpo de Iara Iavelberg na geladeira do Instituto de Medicina Legal de Salvador. Somente após a execução do guerrilheiro, quase um mês depois, é que os pais de Iara foram notificados da sua morte. O corpo foi entregue lacrado à família, expressamente proibido de ser aberto e de que fosse realizada a sua lavagem pelo rabino, um costume secular entre os judeus. Sob uma forte vigilância, somente a família foi autorizada a comparecer ao enterro.
Seguindo os costumes judaicos, Iara Iavelberg foi enterrada na ala dos suicidas do cemitério judaico do Butantã, em São Paulo, com os pés virados para a lápide. Este costume é a maior humilhação para um judeu, visto que o suicídio é tido como um pecado sem perdão à vida, considerada sagrada e pertencente a Deus, intocável pelo homem.
A proibição de que o corpo de Iara Iavelberg passasse pelo ritual da lavagem, despertou as suspeitas dos seus pais, que viram no gesto a tentativa de evitar uma contestação à versão de suicido. Os militares alegaram que as restrições foram feitas como medida de segurança, sob o temor de que a esquerda roubasse o corpo e tomasse-o como estandarte e prova de tortura.
Inconformados com a perda da filha, e com a desonra com a qual fora enterrada, os pais de Iara Iavelberg jamais deixaram de tentar esclarecer as verdadeiras circunstâncias da sua morte. Para isto, tiveram que esperar que a ditadura fosse extinta. Em 1996 surgiram relatos de pessoas que teriam visto Iara Iavelberg ser presa com vida, o que descartava o ato de suicídio com versão oficial. Diante dos fatos, a família da guerrilheira tentou em 1997, removê-la do vale dos suicidas para outro local, mas foi impedida pelos rabinos. Em 2002 entraram com um pedido na justiça para que o corpo fosse exumado. Os rabinos protelaram o gesto, alegando que o corpo é sagrado, não podendo ser profanado depois de morto. Mas, naquele ano, uma ordem de justiça obrigou aos rabinos a que se deixasse fazer a exumação, o que viria a acontecer em setembro de 2003, quando o cadáver de Iara Iavelberg foi desenterrado da ala dos esquecidos, onde permanecera por 32 anos.
Os resultados da exumação só viriam em 2005, quando foi constatado que o tiro que matara a guerrilheira poderia ter sido dado de longa distância, e não a queima-roupa, como seria em caso de suicídio. Nesta época, os pais de Iara já tinham falecido. Samuel Iavelberg, seu irmão, pôde enterrá-la finalmente, em junho de 2005, na ala sagrada do cemitério, ao lado dos pais. Se os ideais ceifaram-lhe a vida, a verdade da sua morte redimiu-a da desonra ante à família e ao seu povo.

Dilma Rousseff, de Guerrilheira a Ministra de Governo

Dilma Vana Rousseff Linhares, teve uma militância política intensiva na época da guerrilha armada, tendo atuado ao lado de Carlos Lamarca e Iara Iavelberg, de quem era amiga e confidente. Nascida em Belo Horizonte, em 14 de dezembro de 1947, veio de uma família abastada de imigrantes búlgaros. Até os quinze anos, freqüentava um colégio conservador, em que alunos e professores falavam francês entre si. Nesta ocasião, trocou o colégio por um estadual. Foi na escola pública que encontrou manifestações políticas, sendo atingida pelas ideologias de esquerda.
Já como militante de esquerda, ela passou pelos anos sessenta por várias organizações clandestinas, como a Política Operária (POLOP), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e o Comando de Libertação Nacional (COLINA). Usou vários codinomes, entre eles, Estela, Vanda e Luísa.
A principal ação deflagrada por Dilma Rousseff teria sido o assalto ao cofre pertencente ao ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, em 1969. Ela, ao lado de Carlos Franklin Paixão (que se tornaria o pai da sua única filha), teria sido a coordenadora do plano, que durou 28 minutos, trazendo um cofre com dois milhões e seiscentos mil dólares. O casal coordenou todos os detalhes do assalto, mas Dilma Rousseff não participou fisicamente da ação. Já ministra do governo do presidente Lula, Dilma negou em uma entrevista para a televisão, ter participado na famosa ação da esquerda guerrilheira.
Em outra ação, ela teria ajudado o capitão Lamarca a roubar uma Kombi de dentro do quartel do exército, em Osasco, cheia de fuzis. Segundo depoimentos de companheiros da época, Dilma tinha como função indicar o tipo de armamento que deveria ser usado nas ações, informando onde poderiam ser subtraídos, além de acumular a função de passar as orientações de comando aos companheiros.
Em 1969, Dilma Rousseff teria coordenado e organizado três ações de roubo de armas aos quartéis do Rio de Janeiro. Foi presa em janeiro de 1970, permanecendo no cárcere até 1973, onde conta, ter sofrido várias torturas.
Dilma Rousseff foi empossada como ministra das Minas e Energia do governo Lula, em 2003. Com a queda do então poderoso ministro José Dirceu, ela assumiu o ministério da Casa Civil, tornando-se a mulher mais poderosa do governo. Com a queda das lideranças históricas do Partido dos Trabalhadores (PT), todos envolvidos em escândalos de corrupção, tornou-se a candidata natural à sucessão de Lula na presidência, em 2010. Em 2006 conseguiu que a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro aprovasse uma indenização pelas torturas que sofrera durante o regime militar.
Dilma Rousseff mantém sempre uma obscuridade de quais foram as suas ações durante a guerrilha urbana, evitando sempre o assunto. Quanto à tortura e militância, jamais escondeu, pelo contrário, sempre soube tirar proveito político do seu passado em organizações de esquerda.

Dina, a Mítica Guerrilheira do Araguaia

A guerrilheira Dina transformou-se um mito da Guerrilha do Araguaia, conhecida como uma mulher de coragem extremada, tornando-se uma lenda na memória do povo daquela região, que contava, teria escapado de uma emboscada dos militares virando borboleta. Dinalva Oliveira Teixeira nasceu no sertão baiano, em Argolim, município de Castro Alves, em 16 de maio de 1945. Dina começou a sua militância no movimento estudantil, participando do congresso da UNE em Ibiúna, que lhe valeu ser enquadrada na Lei de Segurança Nacional, em 1968.
Formada em Geologia pela UFBA, Dina casou-se em 1969, com Antonio Monteiro Teixeira, mudando-se com ele para o Rio de Janeiro, onde trabalharam no ministério das Minas e Energias. Seria ao lado do marido, que Dina partiria, em maio de 1970, para o Araguaia.
No Araguaia Dina conquistou os habitantes com o seu carisma, desempenhando o papel de professora e de parteira. Foi a única mulher no comando do Destacamento C das Forças Guerrilheiras do Araguaia. Era uma guerrilheira rígida. Em documentos militares sobre a Guerrilha do Araguaia, consta que Dina teria matado o companheiro Rosalindo Cruz Souza, o Mundico, julgado por um tribunal revolucionário, acusado de traição por um caso banal de adultério. Dina teria executado o companheiro com um tiro no peito, acima do coração.
Dina cairia em junho de 1974, presa por uma patrulha do exército em Pau-Preto, localidade entre o rio Gameleira e o igarapé Saranzal, no sul do Pará. Estava ao lado da guerrilheira Luiza Augusta Garlipe, a Tuca, tida como desaparecida. Dina foi levada para Marabá, onde foi interrogada durante duas semanas. A guerrilheira estava há quase um ano sem ingerir açúcar e sal, o que a deixou desnutrida e fraca, deixando de menstruar nos últimos seis meses.
Em julho, Dina foi levada de helicóptero para um ponto da mata, próximo de Xambioá. Assim que pisou no solo, pressentindo que seria executada, Dina perguntou ao sargento do exército Joaquim Artur Lopes de Souza, codinome Ivan, chefe da equipe, “Vocês vão me matar agora?” , ao que Ivan respondeu: “Não, um pouco mais à frente”. Os dois caminharam lado a lado por uns quinze minutos, mantendo uma conversa cordial, testemunhada por mais dois militares que vinham logo atrás. Quando pararam em uma clareira, Dina perguntou: “Vou morrer agora?”, ao que Ivan respondeu afirmativamente: “Vai, agora você vai ter que ir”. Sem demonstrar medo, Dina declarou: “Então, quero morrer de frente”, ao que Ivan retrucou: “Então vira pra cá”. Dina encarou o executor nos olhos, que lhe desferiu um tiro no peito, usando uma pistola calibre 45. A guerrilheira não morreu de imediato, sendo-lhe desferido um segundo tiro na cabeça. Enterraram-na ali mesmo, o corpo jamais foi encontrado.
Ivan gostava de contar aos companheiros de farda que o último olhar de Dina trazia uma honra que superava o medo. Segundo relatos, ele falou da guerrilheira como a mulher mais valente que conhecera. Treze anos depois, em 1987, Ivan morreu de forma violenta, no Rio de Janeiro, tendo a cabeça decepada por pauladas desferidas por assaltantes. Há quem afirme que a morte do algoz de Dina foi uma queima de arquivo.

Lúcia Maria de Souza, a Sônia

Os militares consideravam as guerrilheiras muito mais ferozes e cruéis do que os homens. Tinham um respeito velado por elas. Uma das guerrilheiras admiradas por eles foi Lúcia Maria de Souza, a Sônia. Mulher de origem pobre, nasceu em São Gonçalo, Rio de Janeiro, em 22 de junho de 1944. Passou por grandes dificuldades financeiras, conseguindo depois de muito custo, entrar para a faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Cursava o quarto ano, quando se deslocou para o Araguaia, indo viver próximo de Brejo Grande.
Conhecida por todos como Sônia, ela conquistou a simpatia dos habitantes do Araguaia, trabalhando como parteira. Era tida como uma mulher carinhosa e doce, muito querida pelos companheiros guerrilheiros. Dedicada à causa, superou muitos homens no trabalho físico que consistia derrubar a mata somente com o uso do facão, abrindo trincheiras.
Segundo depoimentos, Sônia teria sido presa na tarde de 24 de outubro de 1973, quando saiu do acampamento, ao lado de um morador da região. Escondeu as botas e foi descalça até um córrego. Quando retornou, não encontrou os calçados, deu de cara com uma patrulha de oito homens, chefiada pelo major Lício Augusto Maciel, codinome Doutor Asdrúbal. Ao receber voz de prisão, Sônia sacou um revólver, mas ferida com um tiro na coxa, desferido por Asdrúbal, deixa a arma cair. Sônia também caiu, enquanto o morador que a acompanhava fugiu. Asdrúbal aproximou-se da guerrilheira, que sangrava no chão. Achou-a bonita, mas, inesperadamente, ela sacou de outro revólver e atingiu-o com dois tiros, um no rosto e outro na mão. Deu um terceiro tiro e atingiu o capitão Sebastião de Moura, o Major Curió, no braço. Mesmo bastante ferida, ela tentou fugir, arrastando-se pelo capinzal, quando foi imobilizada pelos militares. Sônia ainda quis levantar a arma, mas um militar pisou em seu braço. Quando lhe foi perguntado qual era o seu nome, teria respondido:
“Guerrilheira não tem nome, seu filho da puta, tem causa. Guerrilheiro está em busca da liberdade e de um mundo melhor.”
O militar respondeu-lhe: “Nem nome, nem vida”, desferindo-lhe vários tiros de metralhadora. Sônia levou mais de 80 tiros. Seu corpo foi deixado na mata, sem sepultamento. Moradores alegam que viram o corpo definhar, restando-lhe, alguns meses depois, apenas o esqueleto e os cabelos. Jamais foi encontrado.

Maria Lúcia Petit, Gostava de Cantar “Meu Nome é Gal

Maria Lúcia Petit nasceu em 20 de março de 1950, em Agudos, zona rural do interior de São Paulo. Ainda era gerada no ventre da mãe, quando o pai, administrador de fazendas, foi assassinado por subordinados.
Maria Lúcia tinha a alcunha de Pituquinha. Teve uma infância normal, sendo leitora assídua da obra de Monteiro Lobato. Era sensível, sorriso aberto, gostava de escrever poesia, e, de cantar “Meu Nome é Gal”, grande sucesso da cantora Gal Costa naquele ano de 1969. Será neste ano que, influenciada pelos irmãos Lúcio e Jaime, estudantes de engenharia e militantes do Partido Comunista do Brasil (Pc do B), que Maria Lúcia abraçará a causa revolucionária.
Em 1970, após deixar o emprego de professora na periferia de São Paulo, ela parte para o Maranhão, passando quase todo o ano a preparar-se para a guerrilha. Após despedir-se da família, seguiu para o Araguaia, no início de 1971, estabelecendo-se em um lugarejo chamado Caianos, onde trabalhou no campo e dedicou-se ao magistério, alcançando grande popularidade ante a população local. Maria Lúcia passaria a maior parte daquele ano a mapear a mata.
Em 16 de junho de 1972, foi apanhada em uma emboscada, quando buscava alimentos na casa de um simpatizante dos guerrilheiros. Foi executada no quintal da casa, com um tiro no quadril e outro na nuca. Tinha apenas 22 anos. Os irmãos de Maria Lúcia, Jaime Petit e Lúcio Petit, também sucumbiram no Araguaia. Os atestados de óbitos dos dois irmãos foram dados à família somente em 1975, mas os corpos jamais foram encontrados.
Em 1991, duas ossadas do Araguaia chegaram à Universidade Estadual de Campinas, sendo uma delas pertencente a Maria Lúcia. A identificação só foi possível graças às reportagens publicadas no jornal “O Globo”, em 1996, com documentos secretos do Araguaia, entre eles, a fotografia da guerrilheira morta. Através de exames na arcada dentária, Maria Lúcia Petit pôde, finalmente, ser enterrada pela mãe, Julieta Petit, em Bauru, 24 anos após a sua execução. Foi a única dos irmãos Petit a ser identificada e sepultada dignamente. A única guerrilheira morta no Araguaia a ser identificada.

Outras Guerrilheiras do Araguaia

Muitos foram os nomes das mulheres que pegaram em armas e tornaram-se guerrilheiras, combatendo corpo a corpo contra a ditadura. Falar sobre cada uma delas seria escrever páginas e páginas da história, fazendo descobertas fascinantes e inesgotáveis.
Entre elas está Telma Regina Cordeiro Correa, conhecida como Lia. Nascida no Rio de Janeiro, em 23 de julho de 1947, foi estudante de Geografia da Universidade Federal Fluminense, de onde foi excluída em 1968.
Em 1971 deslocou-se para a região do Araguaia, ao lado do marido Elmo Corrêa, indo morar às margens do Rio Gameleira. Telma destacar-se-ia no Destacamento B da Guerrilha. Teria sido presa no início de 1974, em São Geraldo, na casa do Sr. Macário, e, entregue ao engenheiro José Olimpio, que trabalhava para o exército. Passou a noite amarrada no barco de José Olímpio, desnutrida e faminta, sendo entregue no dia seguinte, às autoridades em Xambioá. Segundo dados de um relatório da Marinha, teria sido morta em janeiro de 1974. Desde esta época, é considerada desaparecida. Ainda não tinha 27 anos completos.
Destaque ainda, para Helenira Rezende de Souza Nazareth, nascida em Cerqueira César, São Paulo, em 19 de janeiro de 1944. Dona de uma beleza singela, atlética, foi jogadora de basquete na seleção da sua cidade, além de praticar salto à distância, modalidade que lhe deu várias medalhas no atletismo.
Estudante da Faculdade de Filosofia da Rua Maria Antônia, em São Paulo, Helenira destacou-se no movimento estudantil, chegando a ser vice-presidente da UNE, em 1968. Após ser presa, Helenira foi solta sob hábeas corpus, dias antes do AI-5 ser editado. Na clandestinidade, partiu para o Araguaia. É considerada desaparecida desde 1972. Teria sucumbido em 29 de setembro de 1972, aos 28 anos, após ter sido metralhada nas pernas, torturada e morta por golpes de baioneta, sendo enterrada na localidade de Oito Barracas. Durante a guerrilha, após a sua morte, o Destacamento A das Forças Guerrilheiras, da qual ela fora integrante, passou a ser chamado por seus companheiros, de Destacamento Helenira Resende, em sua homenagem. Segundo relatos, antes de ser executada, ao ser atacada por dois soldados, matara um deles e ferira o outro.
Em outubro de 1974, Walquíria Afonso Costa, a Walk, estava presa em Xambioá. Seria a última guerrilheira do Araguaia a ser executada pelas forças militares. Walquíria nascera em Uberaba, Minas Gerais, em 2 de agosto de 1947. Ao lado do marido Idalísio Soares Aranha Filho, partiu para o Araguaia, indo viver na região do rio Gameleira, ao sul do Pará. Vários relatórios descrevem diferentes datas da morte de Walquíria, mas os indícios apontam para outubro de 1974, ocasião em que teria sido presa quando pedia comida a um camponês. Magra e desnutrida, manter-se-ia impassível diante de um militar que a interrogava, querendo saber o destino de quatro comunistas. Teria sido executada no fim de uma tarde de outubro daquele fatídico 1974, sendo a última guerrilheira a sucumbir nas mãos sanguinárias das tropas militares designadas para pôr fim a Guerrilha do Araguaia.


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2 comentários:

Andressa disse...

Nossa, li essa matéria 2 vezes , todas as histórias mexeram comigo mas a que mais me tocou foi a de Iara e Sônia.
Desde que vi essa matéria , visitei seu blog um monte de vezes essa semana, muito bom.Parabéns....Andressa

jader resende disse...

Obrigado Andressa.
Também tenho uma admiração sem fim pelas mulheres que participaram da luta armadas ou não.
Muitas foram presas sem nunca terem participados da guerrilha e suas histórias são divina mentes fascinantes.
Abraços