quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Por que o modelo de exploração atual do pré-sal é estratégico?


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Antônio Barros de Castro
Antônio Barros de Castro

E por que certos veículos da mídia corporativa – O Globo à frente – ainda insistem em bombardear o marco regulatório estabelecido em 2010 (partilha), e ainda tentam pautar a volta do modelo de exploração anterior (concessão)?
A primeira pergunta é respondida de forma cristalina pelo economista Antônio Barros de Castro, numa entrevista concedida ao Estadão em 23/05/2009, replicada abaixo.
A segunda pergunta, a bom entendedor, fica evidente: O Globo defende interesses multinacionais, mesmo que isso implique em abdicar de oportunidades reais de desenvolvimento do país.
Segue a entrevista de Antônio Barros de Castro.

”País não deve se entregar à demanda externa”

Professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor especial da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o economista Antônio Barros de Castro acha que o ritmo de produção de petróleo do pré-sal deve ser pautado pela capacidade do País de explorar as oportunidades produtivas de maior potencial. Alertando para a armadilha cambial e fiscal que a voracidade da demanda mundial pode causar nos produtores de petróleo, Castro cita, como algumas das áreas promissoras que poderiam tomar impulso a partir do pré-sal, aços especiais, automação, software e projetos de engenharia.

A seguir, a entrevista:

Como o sr. vê a economia brasileira hoje?
A economia brasileira ficou travada dos anos 80 até 2004. O crescimento finalmente veio, em 2004, favorecido não só pelo necessário e longo processo de ajuste macroeconômico, mas impulsionado também por um destravamento das demandas reprimidas durante a semiestagnação, como por residências, bens duráveis, etc. O atual governo, com seu apego à distribuição de renda, ajudou bastante nesse destravamento. Foi criada uma enxurrada de demandas, que culminou no terceiro trimestre de 2008, com o crescimento beirando 7% ao ano.

E qual o papel do pré-sal?
O pré-sal foi descoberto num momento em que há dados mostrando que 62% das fontes atuais de petróleo vão secar até 2030. Assim, o bloco consumidor naturalmente tende a deslocar para o Brasil uma parte da sua demanda. Mas acontece que há uma desproporção brutal. Ao se deslocar uma pequena parte da demanda global de aproximadamente 80 milhões de barris por dia para o Brasil, gera-se um enorme choque de demanda em relação ao que produzimos atualmente. O bloco consumidor tem o maior interesse de que isso seja feito na maior intensidade possível e o mais rapidamente possível. Esse, porém, não é o nosso interesse.

Por quê?
É preciso administrar o choque de demanda. Uma tipologia dos países bem dotados de petróleo ajuda a entender o problema. Há três tipos, e o primeiro é o dos países que se entregam à demanda que, para eles, é deslocada, muitas vezes por falta total de alternativas. São países como Angola, Nigéria, Venezuela, as nações do Oriente Médio. A não administração da demanda causa não só problemas de sobrevalorização cambial, mas também uma revolução fiscal.

O sr. poderia explicar?
É uma dupla revolução fiscal, que muda os padrões de receita e despesa, sem que se entenda como, aos trambolhões. O norte fluminense é um microcosmo desse processo. O Estado passa a ter rendas sem negociar com os cidadãos, sem a intermediação das instituições políticas, o que o faz levitar acima da população. Isso pode permitir tanto loucuras ditatoriais como democracias populistas, que compram a população com gasolina de graça e outros benefícios. Os venezuelanos consideram a gasolina quase de graça como parte do contrato social, o que impede o país de enfrentar seus imensos problemas fiscais – é a enfermidade fiscalista em estágio avançadíssimo. Na Nigéria, talvez a maior das tragédias, acabou até a agricultura tradicional. A Noruega é o único país desse grupo que conseguiu a proeza de não contrair a doença fiscal e conter a doença cambial.

E qual é o tipo brasileiro?
Bem, há um segundo tipo, de países de economia relativamente diversificada, muitos ricos em recursos naturais difusos pelo território, como Canadá e Austrália. O Brasil é do terceiro tipo – economias com diversas possibilidades já desenvolvidas, com capacitações nada desprezíveis, com oportunidades, que subitamente descobrem o petróleo. Estão nesse grupo também a Indonésia, o México, em 80, a Rússia dos anos 90. A Indonésia conseguiu manter a diversidade produtiva, com políticas muito ativas, o suporte das suas relações econômicas com o Japão e a atuação da diáspora chinesa. Já o México, em 80, deixou a economia se truncar completamente. A indústria do Vale Central do México, segundo especialistas, era comparável à brasileira em 1975, mais ou menos. Depois, veio o petróleo, ela foi recuando, e hoje fica na poeira em complexidade e capacitação tecnológica.

E como o Brasil deveria agir?
O primeiro grande desafio é que o brutal aumento de demanda é um empurrão exatamente quando não precisávamos, já que finalmente se descobriu como gerar, expandir e sustentar a demanda interna. No momento, por causa da crise, passamos por um “dente” de demanda e temos as políticas contracíclicas. Mas não é um problema de médio e longo prazos. Tanto o despertar das aspirações das classes populares quanto a pletora de oportunidades com que se defrontam as nossas empresas – o etanol ou, melhor dizendo, o canavial como coletor de energia solar; a tecnologia da informação; o software brasileiro; o núcleo eletromecânico; e muitas outras – representam uma capacidade de gerar demanda autóctone, enraizada, com rendimentos crescentes, ao contrário do deslocamento da demanda externa.

Como conciliar o pré-sal com essa demanda de maior qualidade?
A determinação do ritmo de exploração tem de ser feita sobre opções concretas. Se formos meramente fazer estaleiros, produzindo com projetos e máquinas em grande parte importados, ou refinarias, que são um negócio quase fechado, e que já sabemos fazer, o ritmo pode ser muito rápido. Aí, teremos, sim, problemas de sobrevalorização cambial e alguns problemas tributários e fiscais que eu assinalei. Mas não haverá falta de sintonia entre o petróleo e o resto da economia, até porque teríamos feito uma opção muito simples.

Que alternativa o sr. favorece?
No entorno do pré-sal há mil possibilidades. É preciso buscar os avanços que geram mais futuro, mais conectividade, no sentido de que vão espraiar efeitos positivos. Como, por exemplo, um programa de novos materiais, incluindo aços especiais, de que vamos necessitar enormemente no pré-sal, que pode servir para a indústria de armas, a aeronáutica, etc. E há várias outras áreas desse tipo, como automação, software, motores, helicópteros, projetos de engenharia. Mas tudo isso tem aprendizado, toma tempo. Então, uma coisa é produzir 70 bilhões de barris suavemente distribuídos ao longo de 30 anos, outra coisa é ter um pico, uma explosão aí por 2020, e depois um abrupto declínio a partir de 2025. O ritmo tem de ser encontrado em função de todas as oportunidades, acertando-se o passo com o conjunto de outras transformações simultâneas da economia.

Caminhamos nessa direção?
O Estado brasileiro está bem equipado, mas é preciso entender que a sua função não é atender a demandas de empresas, mas induzir cooperações. O Estado não deve ser um balcão. Ele está sendo muito demandado pelas empresas, mas são demandas essencialmente de defesa, de proteção, mesmo que razoáveis. Cabe aos poderes públicos ajudar a encaminhar soluções não para a sustentação do passado, mas sim para o futuro, levando em conta que, na flexibilidade tecnológica atual, é absolutamente impossível explorar todas as possibilidades – a seletividade é o xis da questão. Tudo isso requer muito mais inteligência e cooperação, e não mera proteção. As próprias empresas sentem a necessidade de mais inteligência. Mas, quando buscam as agências públicas, não buscam inteligência, buscam benefícios e proteção. E, no médio e longo prazos, a verdadeira proteção vem do avanço.
Entrevista realizada por Fernando Dantas

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pais-nao-deve-se-entregar-a-demanda-externa,375926,0.htm
a partir de sugestão dada por Helder Queiroz no blog Infopetro.

NOTA MATUTAÇÕES: Na medida em que o novo marco regulatório estabeleceu o modelo de exploração por partilha, dando ao estado o poder de regular a produção de petróleo do pré-sal, ficam dadas as condições para que alguém – no caso, o governo e, por extensão, o Brasil – administre o tal choque de demanda a que se refere o economista, permitindo então considerar e administrar todas as variáveis envolvidas na cadeia produtiva do bem primário de tal forma a maximizar os benefícios para o país.
Para saber mais sobre as diferenças entre o modelo anterior – o de concessão – e o atual – partilha – leia “Partilha ou Concessão?“, de Aloizio Mercadante, e “O Pré-Sal e o Controle do Estado“, de Ronaldo Bicalho (onde se lê “O cerne dessa mudança [do modelo de exploração] se concentra  justamente na ampliação do controle estatal sobre a exploração das riquezas do pré-sal, de forma a auferir o máximo de benefícios dessa exploração, sob uma ótica estratégica de longo prazo que transcende os limites da indústria petroleira.“).
Por tudo isto, não há outro adjetivo para caracterizar o papel nefasto de um veículo de comunicação como O Globo senão o de vergonhoso e traidor:

Novo modelo para o pré-sal deveria ser revisto

Editorial de O Globo em 12/08/2012
No mundo empresarial existe a mística de que companhias petrolíferas, mesmo mal administradas, serão sempre um bom negócio. De fato, na lista das maiores empresas do planeta sempre aparecem muitas companhias petrolíferas, mas se trata de ilusão a ideia que o setor é, por natureza, sempre lucrativo. Afinal, constitui-se um segmento industrial de altíssimo risco, e o retorno de capital reflete esta característica. Quando o investimento é exitoso, os lucros são fantásticos. Mas quando o investimento se frustra, o prejuízo também pode ser enorme.
Uma parte do prejuízo bilionário contabilizado pela Petrobras no segundo trimestre é atribuído, por exemplo, ao insucesso na exploração, decorrente de vários poços secos ou sem valor comercial. E isso mesmo considerando-se um expressivo índice de acertos, passando de 80% em algumas áreas, bem acima da média da própria indústria. Parceiros da Petrobras em campos no pré-sal, como a BG e a Galp, também registraram prejuízo.
O elevado risco na exploração de petróleo justificou plenamente a abertura do mercado brasileiro em meados dos anos 90. A Petrobras hoje detém mais da metade dos blocos concedidos à exploração, porém, agora, disputa a atividade com cerca de outras 70 empresas, entre as quais dezenas delas com maioria de capital brasileiro.
Este modelo adequado para o Brasil sofreu um retrocesso quando o governo Lula se convenceu que havia encontrado “uma Venezuela” na camada do pré-sal. Sem dúvida houve descobertas animadoras, sendo a mais importante a do campo de Lula, já em produção, com reservas estimadas entre seis e nove bilhões de barris. No entanto, blocos vizinhos foram devolvidos por absoluto insucesso. Outros campos indicados como promissores foram cedidos à Petrobras, pela União, a título de integralização do aumento de capital da companhia.
Os investimentos que terão de ser feitos nas áreas concedidas e cedidas exigirão esforço hercúleo da Petrobras. Espera-se que sejam exitosos, mas não se pode desconsiderar a possibilidade de insucesso.
Não faz, então, o menor sentido que, diante de tamanho desafio, o governo tenha adotado um modelo para exploração de futuras áreas da camada do pré-sal que obriga a Petrobras a participar com pelo menos 30% dos consórcios concorrentes e ainda ser obrigatoriamente a companhia operadora do que sair vencedor da licitação.
As dificuldades que a Petrobras vem enfrentando para executar seu ambicioso plano de negócios mostram a necessidade de se rever essa tentativa de restabelecer um monopólio estatal ultrapassado e infrutífero. Para a própria Petrobras, o modelo instituído para exploração de novas áreas do pré-sal ainda não concedidas poderá se tornar um pesadelo.

Fonte: http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/8/12/novo-modelo-para-o-pre-sal-deveria-ser-revisto

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