sábado, 1 de dezembro de 2012

Por que os judeus são o povo escolhido?


 Buscado no Matutações





De acordo com o rabino-chefe das Congregações Hebraicas Unidas da Inglaterra, Jonathan Sacks, não é porque os judeus sejam os melhores, os mais inteligentes e superiores a todos.
Freud, outro judeu, provavelmente torturado pelo enorme peso da responsabilidade que essa Escolha Divina fazia recair sobre as suas costas, dissecou bem os mecanismos da denegação, ou seja, “uma maneira de repelir, através de projeção, a ideia que acaba de aflorar em sua mente”. O psicanalista Jean Hyppolite diz que há aí “um modo de apresentar o que se é à maneira do não ser”.
Mas, por mais que isso eventualmente nos bastasse ou satisfizesse como explicação de certos conflitos, não podemos deixar de ir além: “Não se trata, então, de uma ‘solução’ simétrica, onde um ‘não’ é equivalente a um ‘sim’ e vice-versa, procedimento este que reduziria ‘Die Verneinung’ [a denegação] a uma formulação técnica sobre a defesa do ego. A intervenção de Freud extrai do enunciado o campo da enunciação fazendo vigorar a divisão fundante do sujeito. Suspende o ‘não’, mas atesta a denegação – Abweisung – na medida em que não procura reintroduzir o excluído nem completar o discurso, que é sempre falho. [...] O sujeito da enunciação, que o desejo atravessa, não se confunde com a cadeia do enunciado; ele é deduzido da fórmula da negação. [...] O psicanalista afirma, como sendo exato, o que a neurose rejeita”
É a velha fórmula da inconsistência do inconsciente, o famoso sujeito dividido, inaugurado – ou revelado – por Freud e pela Psicanálise, que, junto com outros pensadores que o precederam, acabou de vez com as pretensões divinas de um Homem que, pensante, julgava-se único e acima de tudo.
Mas voltando à denegação de Jonathan Sacks e do povo escolhido, a questão então parece ser essa, ou seja, uma grande e coletiva neurose.
Que terá, ninguém duvida nem questiona, as justificativas históricas que remontam à própria fundação desse povo enquanto povo perseguido.
O que se questiona é a escolha do mecanismo com o qual se vai elaborar a estratégia de sobrevivência e contraposição à perseguição.
E a escolha dos judeus parece ser essa escolha neurótica: somos o povo escolhido (bem no fundo, no inconsciente, “sabemos” que não somos, mas não queremos admitir, por ser insuportável o contrário – e tanto mais insuportável fica quanto mais tempo passa e quanto mais nos comprometemos, nas nossas ações históricas, com essa ilusão).
Que esse mecanismo tenha servido de elo identitário que viabilizou a sobrevivência física e simbólica desse povo há 5.000 anos, muito bem. O ser humano dava os seus primeiros passos na construção de um mundo que aos poucos se diferenciava do mundo animal, e os judeus terão a importância e o reconhecimento garantido na escala evolutiva e histórica da humanidade ao se distanciarem do mundo anímico de então e adotarem um Deus único, à imagem e semelhança do Homem.
São, senão os inventores do monoteísmo, seus grandes propulsores.
Mas o monoteísmo evoluiu, e deu um grande passo com o advento do Cristianismo: acabou-se com essa estória de povo escolhido e agora, todos pertencem a Deus (“Vinde a mim os pobres e oprimidos, pois deles é o Reino de Deus”, etc, etc).
(E nem por isso os cristãos deixaram, também eles, de cometer incontáveis barbaridades: se por um lado tinham agora um Deus 100% democrático, e que a todos incluía, sentiram-se também na obrigação de dominar o mundo, já que Deus agora a tudo e a todos abarcava)
Que essa estrutura arcaica e chauvinista (um Deus único, mas só para nós) tenha persistido, inalterada e, pior, cada vez mais recalcada, e pareça justificar – porque mais que neguem – um certo estado de coisas, já é demais.
A histórica perseguição aos judeus só consegue chegar aos dias de hoje com a força e com a especificidade com que chega porque potencializada por esse recalque da “Escolha Divina”, que não quer ser analisado porque isso significaria dizer que não há mesmo o que fazer, que não são melhores, e que, na verdade, estiveram em pior situação do que outros durante muito tempo.
Mas a perseguição coletiva não é prerrogativa dos judeus, e, infelizmente, a História não se cansa de compilar exemplos os mais diversos e tão ou mais graves do que os que vitimaram os judeus, e o faz exatamente para que não nos esqueçamos, todos nós.
E nem por isso os outros povos clamam para si direitos absolutos e exclusivos. Tudo o que querem é, no máximo, o direito de existir na diferença.
Nesse sentido, os judeus comportam-se de forma primitiva, não abrindo mão, até hoje, de estratégias de sobrevivência que se aplicavam ao contexto pré-histórico de há 5.000 anos atrás, mas que precisam urgentemente ser atualizadas para considerar tudo o que aconteceu desde então, e acabam pondo a perder o tanto que muitas de suas figuras ilustres já deram à humanidade ao longo desse percurso (e certamente terão sido aqueles que falavam não como judeus, mas como humanos).
E se este texto leviano confunde judaísmo com sionismo, que a confusão seja então desfeita na realidade concreta, e não no discurso, e que o sionismo deixe de ser a força que acaba causando essa confusão.




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