quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A FRANÇA ENTRE DANTON E DEPARDIEU


buscado no Mauro Santayana





Em atrito com Robespierre e aconselhado a fugir, enquanto havia tempo, Danton repeliu a idéia com a pergunta dura: alguém pode levar a pátria na sola dos sapatos?
            Conduzido à guilhotina teve, diante da visão da lâmina armada, seu momento de medo. Estava recém-casado com mulher bem mais jovem, e muito bela, e foi golpeado pela idéia de que a deixaria aos outros. Confessou aos circunstantes o seu desespero. A honra o conteve, ainda a tempo. Em voz poderosa, recriminou-se: Seja homem, Danton, morra com dignidade!
            Gerard Depardieu é um dos maiores atores do mundo, e se destacou  no papel de Danton. Não se destaca pela aparência, nada apolínea, mas é capaz de viver qualquer personagem diante da câmera. É dos homens mais ricos da França. Inconformado pelo projeto de François Hollande (já rejeitado pelo Conselho Constitucional) que visava a aumentar o imposto sobre as maiores rendas, Depardieu pediu e obteve a cidadania russa. Partiu para Moscou, levando a sua pátria no bolso.
        Levar a pátria no bolso é um velho costume daqueles que fazem do dinheiro a sua razão de viver. Os artistas, normalmente, não agem como está agindo o excelente ator. Muitos deles costumam agir preocupados com a Humanidade. Ao assumir as emoções atribuídas aos personagens pelos dramaturgos, delas sempre sobram sentimentos que conduzem a própria atitude política. Mas nem sempre é assim. Nem todos eles são - como os poetas lembrados por Fernando Pessoa - fingidores capazes de fingir a dor que deveras sentem. Às vezes fingem as dores e as alegrias que não sentem.
        Fingir vem do verbo latino que significava, em seu início, fazer objetos de barro, como os vasos. Está, assim, associado, à realidade do mundo. Da mesma forma que o oleiro molda o vaso, separando um espaço vazio do vazio que o circunda, o ator cria seu personagem, separando-o da Humanidade que o cerca, mas, dentro desse espaço criado, resume os sentimentos do mundo. E, se for como foi Danton, resume a sua pátria.
         Há muito que a idéia de pátria se vem desmoronando. É provável que os sociólogos tenham razão, quando atribuem às comunicações instantâneas, que fizeram o planeta minguar, o esboroar desse sentimento, que dava grandeza aos homens.
           Não podemos levar a pátria na sola dos sapatos. E os que, como Depardieu, crêem levá-la em sua conta bancária, nunca a tiveram. Tampouco a têm aqueles que, mesmo vivendo dentro das fronteiras de seu país, só cuidam de seus próprios interesses.
          Pagar impostos, sobretudo neste momento em que a França procura reerguer-se, depois do assalto dos grandes banqueiros, é um dever de patriotismo. Ao negar-se a fazê-lo, o ator rejeita a pátria, e se assemelha aos bancos que espoliaram seu povo e enviaram dinheiro para os paraísos fiscais – que obtiveram do BIS, de Basiléia – que funciona como banco central do mundo – licença para continuar o saqueio.

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