domingo, 31 de março de 2013

O DIA DA GRANDE MENTIRA FAZ 49 ANOS

 

 buscado no Náufrago da Utopia

 

 




"Morte vela, sentinela sou
do corpo desse meu irmão 
que já se foi.
Revejo nesta hora 
tudo que aprendi, 

memória não morrerá!

Longe, longe ouço essa voz
que o tempo não vai levar!"

(Sentinela, Milton Nascimento)

Neste 1º de abril, qando se completarem 49 anos da pior mentira já enfiada na goela dos brasileiros --a quebra da normalidade institucional, mergulhando o País nas trevas e barbárie durante duas décadas--, é oportuno lembrarmos o que realmente foi a nada branda ditadura de 1964/85, ainda louvada por seus carrascos impunes, reverenciada por suas repulsivas viúvas e defendida pelos  cuervos  que o totalitarismo criou. 


Como frisou a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando-nos de que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do despotismo.



Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a se destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.


Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultra-direita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.


Em novembro/1955, uma conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu. Um dos golpistas presos: o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda do ditador Geisel.



Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.



Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.




E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart e iniciaram, juntamente com os conspiradores civis, a constituição de um governo ilegítimo, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.



Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados   grupos dos 11  brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado "contragolpe preventivo", mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, como hoje está mais do que comprovado. Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.



A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.




Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e o Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.



As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.



Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.




Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio premeditado dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.



A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.



O milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.




As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais e administrativas, pressões políticas e econômicas, bem como dos atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura.



Corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais malograram).



A arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).



Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte).




O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam de empresários direitistas vultosas recompensas por cada "subversivo" preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os resistentes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.



Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército.



A ditadura terminou melancolicamente em 1985, com a economia marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. Seu último espasmo foi frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas-já.
 




segunda-feira, 25 de março de 2013

Quase 1 trilhão de reais a receita líquida das Teles


 

buscado no Gilson Sampaio  

 

Via Hora do Povo

Com lucro semelhante ao dos bancos, teles ganham isenção
Ministro anuncia “desoneração” de R$ 6 bilhões

Somente entre 2005 e 2012, a receita líquida - ou seja, depois de pagos os impostos e feitos alguns descontos - dos monopólios de telecomunicações no Brasil montou a R$ 911 bilhões e 437 milhões, quase um trilhão de reais.
Os números de cada ano estão na Pesquisa Anual de Serviços do IBGE (e, no caso de 2011 e 2012, como ainda não foram publicadas as pesquisas do IBGE referente a esses anos, usamos os números do próprio balanço das teles).
Quase um trilhão de reais, depois de pagos os impostos. São esses pobres oprimidos e explorados pelos terríveis impostos que o Estado brasileiro lhes cobra, que o ministro Paulo Bernardo, na última terça-feira, resolveu “desonerar” em nada menos do que R$ 6 bilhões. Diz Bernardo que, com essa isenção de impostos, ele espera que as teles façam investimentos de R$ 18 bilhões até 2016.
O ministro deveria ler os balanços das teles. Saberia, por exemplo, que a Telefónica/Vivo declarou que fez investimentos de R$ 6,117 bilhões em 2012 – e, só nos últimos três anos (2010, 2011 e 2012), dizem os balanços, a Telefónica investiu, no Brasil, R$ 16 bilhões e 788 milhões! O mesmo, mais ou menos, fizeram as outras teles – no balanço.
Isso, sem qualquer “desoneração” de impostos. Então, porque precisariam de R$ 6 bilhões de isenção para – todas juntas e somadas – investirem apenas R$ 18 bilhões até 2016?
Sobretudo se considerarmos que, desde 1998 – ou seja, desde a privatização -, as teles receberam do BNDES, em financiamentos para investir, R$ 38 bilhões e 381 milhões.
Certamente que o investimento declarado pelas teles em seus balanços é uma farsa. Mas o próprio fato de declararem esses “investimentos” e mesmo assim lucrarem quase tanto quanto os quatro maiores bancos instalados no país, mostra que elas não precisam de “desoneração” alguma para investir – o necessário é que o poder público (o Ministério das Comunicações, antes de tudo) acabe com essa farsa.
Porém, se elas não investiram foi porque sua opção preferencial é aumentar os lucros para remetê-los ao exterior. Entre 2002 e 2011 as remessas de lucros oficiais (ou seja, declaradas oficialmente) das teles para suas matrizes aumentaram 1.099,51%. Mesmo em 2012, ano em que elas diminuíram um pouco, atingiram US$ 1,027 bilhão (1 bilhão e 27 milhões de dólares), sem contar os pagamentos de empréstimos intercompanhias e outros artifícios para enviar lucros sem declará-los.
No entanto, o próprio ministro Bernardo declarou que as teles estavam “retardando” seus investimentos. Como “retardando”? E os balanços que elas publicaram? Será que o ministro acha que os investimentos que constam dos balanços das teles não são reais? Não acreditamos...
Porém, em vez de responder a um inquérito policial, as teles receberam R$ 6 bilhões em isenção de impostos, mais a promessa de acabar com o regime público  na telefonia (apesar de que, segundo o ministro, “isso não foi conversado com a presidente Dilma e precisamos da autorização dela para tocar pra frente”) e, ainda por cima, Bernardo falou em recursos do PAC para investir em redes de fibra ótica. Que redes? Somente pode ser a rede das teles, pois a do governo já existe há muito – e as teles, há muito, querem usá-la.
A “desoneração” do ministro Paulo Bernardo, portanto, é um plano para substituir a rede de cabos de cobre das teles por redes de fibra ótica, às custas do Erário, ou seja, do distinto público. Em vez delas gastarem uma parte dos seus lucros (só o lucro líquido da Telefónica, em 2012, foi mais de R$ 4 bilhões), gastarão dinheiro público – os impostos que não pagarão ao Estado.
Isso, na melhor das hipóteses. Podem, também, embolsar essa “desoneração”, ou seja, aumentar sua margem de lucro à custa de não pagar impostos, e continuar declarando investimentos fantásticos em seus balanços.
Hoje, depois de tudo o que aconteceu desde 1998, ninguém duvidaria dessa possibilidade - exceto alguma besta, que sempre as há por aí.
O plano do governo Lula, elaborado pelo engenheiro Rogério Santanna, primeiro presidente da Telebrás após sua reativação, era utilizar a rede de fibras óticas das estatais – especialmente a Eletrobrás e a Petrobrás – para universalizar a banda larga. Em suma, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) partia do reconhecimento de que as teles, com seus preços extorsivos e sua concentração nos aglomerados de maior renda do país,  eram incapazes de universalizar até mesmo a telefonia fixa, inventada por Antonio Meucci em 1856 - quanto mais a banda larga.
Como declarou o então presidente da Telebrás ao HP:
Vislumbramos, então, a seguinte proposta: (…) Em lugar de carregar o passado, o cabo de cobre, todas as tecnologias antigas, nós podíamos usar essa infraestrutura [de fibras óticas estatais] para criar uma rede independente – deixar as teles com a rede delas e criar uma rede neutra, pública. A partir de uma tecnologia mais nova, mais barata, gerar essa rede neutra e vender serviços só no atacado” (HP, 22/10/2010, entrevista de Rogério Santanna).
A venda de serviços no varejo (a chamada “última milha”, a conexão até a casa ou estabelecimento do usuário) seria feita por empresas nacionais privadas. Como disse Santanna, “não precisamos fazer a 'última milha', porque os pequenos provedores associados podem fazê-la, e nós vamos gerar milhares de oportunidades de negócios que hoje são reprimidos”.
O que fez Paulo Bernardo foi acabar com o PNBL – em primeiro lugar, amofinando a presidente Dilma para demitir o seu criador da presidência da Telebrás. O objetivo de Bernardo era – mas, hoje, é mais – evidente: privilegiar as teles, uma quadrilha de monopolistas que nem mesmo construiu suas empresas: pelo contrário, receberam de presente o resultado de décadas de esforço do povo brasileiro. E, para quem estranhe esse “de presente”, lembremos, além do patrimônio dessas empresas, que, na época da privatização, Aloysio Biondi demonstrou que o governo Fernando Henrique gastou mais na “preparação” das empresas estatais de telecomunicações para privatizá-las, do que recebeu por elas. Estamos nos referindo, é natural, ao que foi recebido legalmente.



TRANGÊNICO NÃO É COMIDA




buscado no MPA PARANA

 
Estudo confirma efeitos devastadores de transgênicos e agrotóxicos

 

— Marcelo
Destaque topo
Nacional
Pesquisa francesa coloca um fim à dúvida sobre os riscos que os alimentos transgênicos representam para a saúde da população14/03/2013
Página do MST
Pela primeira vez na história foi realizado um estudo completo e de longo prazo para avaliar o efeito que um transgênico e um agrotóxico podem provocar sobre a saúde pública. Os resultados são alarmantes.

O transgênico testado foi o milho NK603, tolerante à aplicação do herbicida Roundup (característica presente em mais de 80% dos transgênicos alimentícios plantados no mundo), e o agrotóxico avaliado foi o próprio Roundup, o herbicida mais utilizado no planeta – ambos de propriedade da Monsanto. O milho em questão foi autorizado no Brasil em 2008 e está amplamente disseminado nas lavouras e alimentos industrializados, e o Roundup é também largamente utilizado em lavouras brasileiras, sobretudo as transgênicas.
O estudo foi realizado ao longo de 2 anos com 200 ratos de laboratório, nos quais foram avaliados mais de 100 parâmetros. Eles foram alimentados de três maneiras distintas: apenas com milho NK603, com milho NK603 tratado com Roundup e com milho não modificado geneticamente tratado com Roundup. As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) utilizadas na dieta dos animais foram equivalentes àquelas a que está exposta a população norte-americana em sua alimentação cotidiana.
Os resultados revelam uma mortalidade mais alta e frequente quando se consome esses dois produtos, com efeitos hormonais não lineares e relacionados ao sexo. As fêmeas desenvolveram numerosos e significantes tumores mamários, além de problemas hipofisários e renais. Os machos morreram, em sua maioria, de graves deficiências crônicas hepato-renais.
O estudo, realizado pela equipe do professor Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, na França, foi publicado em 2012 em uma das mais importantes revistas científicas internacionais de toxicologia alimentar, a Food and Chemical Toxicology.
Segundo reportagem da AFP, Séralini afirmou que “O primeiro rato macho alimentado com OGM morreu um ano antes do rato indicador (que não se alimentou com OGM), enquanto a primeira fêmea, oito meses antes. No 17º mês foram observados cinco vezes mais machos mortos alimentados com 11% de milho (OGM)”, explica o cientista. Os tumores aparecem nos machos até 600 dias antes de surgirem nos ratos indicadores (na pele e nos rins). No caso das fêmeas (tumores nas glândulas mamárias), aparecem, em média, 94 dias antes naquelas alimentadas com transgênicos.
O artigo da Food and Chemical Toxicology mostra imagens de ratos com tumores maiores do que bolas de pingue-pongue. As fotos também podem ser vistas em algumas das reportagens citadas ao final deste texto.
Séralini também explicou à AFP que “Com uma pequena dose de Roundup, que corresponde à quantidade que se pode encontrar na Bretanha (norte da França) durante a época em que se espalha este produto, são observados 2,5 vezes mais tumores mamários do que é normal”. De acordo com Séralini, os efeitos do milho NK603 só haviam sido analisados até agora em períodos de até três meses. No Brasil, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) autoriza o plantio, a comercialização e o consumo de produtos transgênicos com base em estudos de curto prazo, apresentados pelas próprias empresas demandantes do registro.
O pesquisador informou ainda que esta é a primeira vez que o herbicida Roundup foi analisado em longo prazo. Até agora, somente seu princípio ativo (sem seus coadjuvantes) havia sido analisado durante mais de seis meses.
Um dado importante sobre esse estudo é que os pesquisadores trabalharam quase que na clandestinidade. Temendo a reação das empresas multinacionais sementeiras, suas mensagens eram criptografadas e não se falava ao telefone sobre o assunto. As sementes de milho, que são patenteadas, foram adquiridas através de uma escola agrícola canadense, plantadas, e o milho colhido foi então “importado” pelo porto francês de Le Havre para a fabricação dos croquetes que seriam servidos aos ratos.
A história e os resultados desse experimento foram descritos em um livro, de autoria do próprio Séralini, que será publicado na França em 26 de setembro sob o título “Tous Cobayes !” (Todos Cobaias!). Simultaneamente, será lançado um documentário, adaptado a partir do livro e dirigido por Jean-Paul Jaud.
Esse estudo coloca um fim à dúvida sobre os riscos que os alimentos transgênicos representam para a saúde da população e revela, de forma chocante, a frouxidão das agências sanitárias e de biossegurança em várias partes do mundo responsáveis pela avaliação e autorização desses produtos.
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sábado, 23 de março de 2013

Conversando com Ariano Suassuna

buscado no Gilson Sampaio 



Enviado por luisnassif,
15 DE JULHO DE 2011


Urariano Mota: Conversando com Ariano Suassuna

Esta entrevista se frustrou em 1989. Anotada um ano depois, em 1990.

Conversando, Ariano Suassuna nada tem de ariano.

Conversando, Ariano é um brasileiro mestiço.

Conversando, a sua referência passa ao largo das antiqüíssimas gentes do tempo dos vários Afonsos e de Dom Sebastião.
Conversando, a referência de Ariano é coisa mais recente, tão recente que talvez seja moderna, e de um recente tão plebeu, que talvez seja inconveniente lembrar tal referência a um acadêmico: tudo o que Chico Anysio, Lima Duarte e Rolando Boldrin tentam fazer na televisão, conversando, há muito Ariano vem fazendo: ele é um humorista narrador de casos, ajeitados à feição de vivíssimos causos. Ele é um showman sem smoking, metido em roupa de caroá, ou em calça e camisa de brim cáqui.
Um dia chegamos para entrevistá-lo, ao fim do horário de suas aulas na universidade. Isso foi há mais de quinze anos. Ele foi logo dizendo que tinha desistido da entrevista, acertada antes. Sentamo-nos então em um banco de pedra, no pátio da Escola de Artes.
- Não, não adianta. Eu não sou mais menino. Falo com pureza d’alma. Falo com o coração na mão: essa entrevista não pode mais sair.
E como a entrevista não mais podia sair, sem gravador, Ariano deu início a uma conversa de quase duas horas. Cruzando as pernas no brim cáqui.
- Gorbachov é um negócio interessante. Eu sempre sonhei com o dia em que o cristianismo entrasse na União Soviética. Aí, chega uma repórter agora e me pergunta sobre a abertura na União Soviética. Ela pensava que eu era favorável. É que as pessoas pensam que como a gente está ficando velho, pensam que além de velho eu estou ficando reacionário. Eu respondi: “minha filha, eu queria um novo socialismo, não era a volta do capitalismo não”. Esse Gorbachov está fazendo o tempo voltar para trás. Não é?
- É um negócio danado. Antes de 64 eu tinha uns pegas com os comunistas aqui na universidade. Mas era um pega cultural, de ideias. Eles pegando a estética pela economia, e eu pegando a estética sem muita economia. Era mais ou menos isso. Então vem o golpe militar. Mas eu tinha amigos comunistas, um até bom ator, trabalhou numa peça minha, eu tinha a maior afeição. Então a minha casa virou abrigo para alguns desses amigos. A polícia não iria nunca procurar esses perigosos vermelhos em minha casa, não é? Aí vejam que coisa interessante acontece. Eu já estava com um comunista escondido lá em casa, quando me aparece mais um, querendo se esconder. Então ficou o primeiro vermelho, por trás do segundo, a fazer sinal para que eu não aceitasse mais um comunista em minha casa...
- Pois foi esse mesmo, o primeiro, que me deu uma lição, temerária, sobre os riscos e forma de viver. Houve um dia em que prenderam a mulher dele. Danou-se, eu me disse. Eu fiquei meio preocupado. Eu fiquei acabrunhado. Aí ele chegou pra mim: “Está com medo, Ariano?”. Vejam só a minha situação. Eu na minha casa, e sem poder ficar com medo. Ele me pegou nos brios. Aí eu me lembrei do que minha gente dizia, lá na Paraíba. E respondi: “Meu amigo, eu não conheço ninguém muciço” (macizo). Não é? Pois ele nem com essa resposta se abalou. Virou-se pra mim e disse: “Pois para mim, a morte é apenas um pequeníssimo incidente na roda da história”. Eu fiquei assim... danou-se. O que pra mim era a coisa mais importante, a minha própria morte, na roda histórica era nada. Não é danado?
Aí, a essa altura, a gente não sabe se Ariano Suassuna criou o seu personagem, ele próprio, Ariano, ou se o seu personagem criou o narrador de auditório, Ariano. Conversando, ou melhor, somente ele falando, parece que conversa, porque ele narra de um modo que nos mergulha no meio da sua narração. Ele gera a ilusão da conversa pela comunhão, até mesmo pela cumplicidade, com os fatos narrados.
Ariano, “conversando”, é ator de picadeiro sem trejeitos ou caretas, que substitui pelos movimentos da voz, pelas inflexões na fala, pela escolha de palavras chãs, pelo rasgo de olhos pícaros que nos fitam, acompanhando o efeito das armadilhas que lança. Ele narra nesse ator – ele próprio - pela ambientação que situa uma ambientação absolutamente econômica de cenários, cenários só personagens, e, o que reforça a ilusão de conversa, ele aparenta ser também ouvinte, quando na verdade faz pausas de radar, para ver como se refletiram aqueles sinais que lançou.
- Eu tenho muita simpatia pelo mentiroso...
Refletimos um sinal, porque comentamos, rápido: García Márquez disse uma vez que todo escritor é um grande mentiroso. O radar pega o reflexo de volta, ainda mais rápido:
- ...É? Eu não conhecia isso. É interessante... Pois eu tenho a maior simpatia pelo mentiroso. Eu tenho pelo seguinte: o homem que é mentiroso por vocação é um inconformado. Ele é um inconformado com o que o cotidiano não deixa acontecer. Eu acho que ele dá vazão a uma verdade que às vezes é só dele, que muita gente não viu. Eu acho que foi isso o que García Márquez quis dizer, não foi?
A platéia consente. A “conversa” se estabelece.
- Em Taperoá tinha um mentiroso que era meio violento. Ele viu uma vez um sujeito morrer com uma facada. Olhe, um mentiroso ver um sujeito morrer, e de facada, já é dose demais pra sua imaginação. Ele viu e depois começou a contar do jeito dele, na feira da cidade, e começou a juntar gente. E ele solto no meio do povo. O defunto já havia morrido duas vezes, levado oito, nove facadas, já havia derramado sangue por três homens, e o povo atento, pra ver aonde ia parar o rio de sangue. A cada pergunta ele respondia com mais uma coisa, um detalhe, cada pergunta era uma deixa para o mentiroso variar. Mas pra desgraça dele apareceu uma testemunha do crime. Aí a testemunha interrompeu o contador da história e lhe disse:
“Olhe, não foi bem assim não. O homem morreu foi com uma facada, de uma só vez”.
Aí o contador da história se voltou. Vejam só que lição, que negócio interessante. O contador virou-se com raiva e disse:
“Você tinha nada que me desmentir? Você tinha nada que estragar a minha história no meio do povo? Me digam uma coisa”, aí ele já falou para as pessoas em volta, “me digam uma coisa: do jeito que estava a minha mentira, do jeito que eu contava, não era mais bonito que essa verdade de uma facada só?”.
E o povo concordou com o mentiroso. Não é? A mentira dele tinha mais beleza.
Não é? Essa verdade, digamos, essa reflexão moral, expressa num ato de gente de cara e dente, é função do artista, de artista. É do ofício. Em lugar de uma dissertação, uma ação. Em lugar de uma discussão filosófica, um movimento de gente. Gente com idéias, com conceitos, ainda que analfabeta, pasmem os equívocos. E mostrar gente sem instrução formal, expressando à sua maneira idéias civilizadas, é escolha de um só fio. Daí, duas ou três coisas:
1 – Em Ariano mesmo, conversando, existe essa contradição do complexo, o pensamento mais elaborado, e da formulação desse complexo em língua que se ouve na cozinha da nossa casa. Seria, para ele mesmo, motivo e nome para mais uma peça do gênero farsa, algo como “o raso falso”, ou “o raso e o profundo”.
2 – Daí que Ariano tenha se dado mal em liderar, gerar movimentos com idéias, alucinações, que estavam transformadas, bem situadas no teatro de Ariano Suassuna. Um criador não cria um movimento coletivo, mas um movimento faz avultar e cria seus criadores.
3 – Na eleição dos personagens da terra nordestina, nessa escolha só fia quem chegou a este ponto por uma cultura que não é só da terra.
- A minha revelação como autor de teatro foi García Lorca. Quando eu li García Lorca pela primeira vez, eu descobri o meu caminho como autor. Me deu um baque. Não é que eu fosse fazer o que Lorca fez – disso eu já sabia. Mas o teatro de Lorca, aquele universo, tinha coisas que eu sentia como uma coisa que eu conhecia – vejam vocês, um autor espanhol, com um acento trágico, revelando o meu caminho de autor do Nordeste do Brasil. Havia coisas parecidas comigo. Então eu me disse, “é isso !”. Depois vieram outros autores, outras influências, não é? E a roda da história girando.
- Quem me deu Lorca para ler foi Hermilo Borba Filho. Hermilo foi uma espécie de guru, para mim e para a minha geração. O Teatro do Estudante, os meus primeiros trabalhos, têm muito a ver com essa relação muito rica que eu possuía com Hermilo. Eu devo muito a Hermilo.
Fora de tempo e oportunidade, sem acompanhar os sinais do radar, nós lhe perguntamos sobre o Movimento Armorial, sobre a monarquia... Ariano abre os braços, queixa-se de cansaço. A noitinha vem chegando ao campus. Por razões inesperadas, o que para um repórter é aquilo que não faz parte da agenda, não percebemos que a negação da entrevista era uma negação mentirosa. Naquela hora, naquele instante, não notamos, pois que voltávamos para casa com uma dupla frustração, burros duas vezes: o famoso criador, o mito Ariano Suassuna era muito, muito simples, vale dizer, quase um homem sem importância; a entrevista, que ele nos concedera como uma palestra, sentado em um banco de pedra, sem gravador, era como se não houvesse acontecido. Muitos anos depois, acordamos.
O raso era profundo. Caímos na conversa de Ariano.

FONTE: VERMELHO 



quarta-feira, 20 de março de 2013

A História não os absolverá.

 

buscado no Olhar o Mundo

 
Um péssimo negócio é aquele em que todos perdem.

É muito raro de acontecer, mas o governo Bush conseguiu.
Alguém poderia argumentar que pelo menos Israel saiu ganhando porque livrou-se de um rival potencialmente perigoso.
De fato, o Iraque estava em fase de crescimento, investindo pesado em armamentos.
Mas um governo corrupto, onde parentes e puxa-sacos detinham os principais postos e o ditador carecia de carisma que empolgasse o povo, não tinha grandes chances de formar um exército eficiente.
A prova foi sua derrota iminente na guerra contra um Irã, que ainda estava desorganizado militarmente após a revolução islâmica.
Saddam Houssein era inimigo de Israel, mas dificilmente deixaria os estrategistas de Telaviv sem sono.
O aparente vencedor da guerra do Iraque, os EUA, foi talvez quem mais perdeu.
Estima-se que as despesas militares custaram ao povo americano 1,7 trilhão de dólares, mais 490 bilhões em benefícios aos veteranos (assistência médica, principalmente).
No entanto, esse valor pode subir para mais de 6 trilhões nas quatro próximas décadas, quando se computar os juros dos pagamentos, de acordo com estudo publicado na semana passada, do Watson Institute for International Studies da Brown University.
Com todo esse dinheiro, Obama estaria agora tirando de letra os problemas financeiros da crise, que ameaçam sufocar os EUA.
Há mais custos, porém, a serem levados em conta.
Morreram 4.500 soldados americanos, além de 1.500 seguranças.
32.000 militares voltaram feridos para casa, muitos deles incapacitados mental ou fisicamente.
Claro, nesse quesito o povo iraquiano, inocente das maquinações de Bush, perdeu muito mais.
São controversos os números dos seus mortos.
O Iraq Body Count fala em 122 mil, podendo ser acrescido de mais 12 mil conforme dados do Wikki Leaks.
A tradicional revista inglesa, Lancet, em 2006, assegurava que as baixas iraquianas chegavam a 650 mil.
Já o Ministério de Direitos Humanos do Iraque garante que o número certo é 1 milhão de iraquianos mortos, deixando cerca de 5 milhões de órfãos. Sem falar em 4,5 milhões de refugiados.
Foi mal, admite Obama, em discurso recente, mas não podemos negar que a situação do Iraque agora é bem melhor.
Será?
A guerra sectária, que não existia no Iraque antes da invasão, corre solta, com atentados diários matando inclusive civis.
A Al Qaeda iraquiana, que Saddam Hussein reprimia, está mais poderosa do que nunca, fortalecida por centenas de jovens que a procuraram, indignados com a ocupação americana do seu país.
O governo atual, de origem xiita, persegue os sunitas, que estão à beira da insurgência. Sua polícia secreta, rotineiramente, pratica violências, toleradas por uma justiça conivente.
O paradeiro de 16 mil oposicionistas, presos pela polícia ou por milícias ligadas ao governo durante a ocupação, é desconhecido.
Suas esposas temem que tenham sido mortos ou estejam presos em casas secretas, sujeitos a permanecerem ocultos indefinidamente.
“A infraestrutura de saúde do Iraque e o sistema de educação, devastados pela guerra (leia-se “pelos bombardeios americanos”) continuam do mesmo jeito,” diz reportagem da Reuters. “Enquanto isso, os investimentos de 212 bilhões na reconstrução fracassaram, com a maior parte do dinheiro gasta em segurança ou desperdiçada e mesmo perdida, em fraudes.”
Os principais responsáveis por esse desastre verdadeiramente criminoso, Bush, seu vice Cheney e Tony Blair, continuam livres.
O Tribunal Criminal Internacional tem agido prontamente para julgar e condenar ditadores africanos e racistas servo-croatas.
É fácil.
Esse pessoal não conta nem com poderosas forças políticas, nem com o apoio da mídia internacional.
Bush, Blair e Cheney estariam bem cobertos por toda essa gente, em caso de perigo.
Acredito que eles, os principais culpados por tantas vidas perdidas, tantos trilhões desperdiçados, tão gigantescos dados causados ao Iraque, jamais serão levados às barras do tribunal de Haia.
Só a História terá poder para julgá-los.
Eles sabem disso.
Provavelmente estão pouco se lixando.

sábado, 16 de março de 2013

Quanto algumas ONGs ganham com a miséria?



buscdo no Burgos


(Para quem ainda não assistiu)



"Quanto vale ou é por quilo?" é um filme dirigido por Sérgio Bianchi. ONGs e entidades desonestas são acusadas de lucrarem com a miséria, usando dinheiro público. E ainda mostra como a miséria tem cor e endereço certos. É negra e favelada.

Infelizmente o filme não vai chegar ao grande público. Mas é bastante didático e coloca o dedo na ferida da "indústria da solidariedade". Deveria ser visto em escolas, cursinhos populares, associações comunitárias. Mas sempre seguido de debates. Até para que ONGs e entidades sérias possam se defender.

O filme começa com a história de uma escrava que conseguiu comprar sua liberdade, no final do século 18. Trabalhando e poupando, ela conseguiu ter uma pequena propriedade e alguns escravos. Mas, eis que aparecem alguns capitães-do-mato em seu rancho. São caçadores de escravos fugitivos. Eles prendem um de seus cativos. Ela protesta, mas não adianta.

Seguindo os caçadores, ela vê que eles entregam o negro na casa de um senhor branco. A negra bate à porta do dito cujo. Mostra os papéis que provam ser ela a proprietária do escravo. O senhor branco fecha a porta na cara dela. Revoltada, ela grita: "lugar de ladrão é na cadeia". Resultado: é processada e condenada por perturbação da ordem pública. Trata-se de um caso verdadeiro. Ao longo do filme, eles se repetirão, com os devidos registros e datas.

Esta cena mostra que ser proprietário no Brasil não basta. É preciso ser branco também. Mesmo hoje, ter um automóvel novo e ser negro é motivo suficiente para ser vítima de batidas policiais ou coisa pior. Mas o caso revela outra coisa, também. É o mecanismo de repasse da dominação. A negra liberta também tem seus escravos. É natural, diz o narrador do filme. É assim que funcionava o sistema na época. Só que esse mecanismo continua a funcionar, diz o filme.

Para ilustrar isso há uma cena nos tempos de hoje. Uma Kombi chega na madrugada para ajudar mendigos. Distribuir cobertas, sopa e café. Logo em seguida, um outro grupo chega em outra perua. É expulso pela líder do primeiro veículo. Ela quase diz "esses mendigos são meus. Caiam fora". É a remediada ajudando os esfarrapados, para continuar recolhendo donativos e fazendo seu pé-de-meia.

Voltando ao passado escravista, o filme conta a história de uma escrava idosa que tenta juntar o dinheiro suficiente para se libertar. Conhece uma senhora branca que não é rica, mas é esperta. Paga a liberdade da velha escrava em troca do trabalho dela por mais um ano, pago com juros. O investimento dá resultado. A velhinha acaba tendo que trabalhar por mais 3 anos antes de se ver livre de sua "benfeitora".


O paralelo é claro. Tanto no tempo da escravidão, como na época atual, há um espaço para fazer jogadas. Num caso, são os brancos pobres explorando negros cativos. No outro, são empreendedores espertos da solidariedade transformando a miséria em fonte de riqueza. De um lado, continuam sendo quase todos brancos. De outro, quase todos são negros.


Multiplicar o número de criminosos e crianças pobres para criar empregos

Os paralelos vão se multiplicando. Mais um caso antigo aparece. Fala sobre os capitães-do-mato da época da escravidão. A maioria era formada por negros. Viviam de caçar escravos fugidos. É o caso de um deles, que captura uma negra fugida. Ela está grávida e aborta no momento em que é entregue a seu dono. A negra sangra ao lado dos dois, enquanto o narrador explica que o dinheiro ganho pelo caçador servirá para que o filho tenha uma vida melhor que a dele.

De volta ao mundo atual, um desempregado é pressionado pela mulher grávida e pela tia a trazer dinheiro para casa. Desesperado, ele vira matador-de-aluguel. Suas vítimas são negras e pobres como ele. Não seria mais do que um capitão-do-mato moderno, e também procura um futuro melhor para seu filho. Apesar disso, a tia do matador explica que serviços como o que ele faz conta com gente muito mais profissional e treinada. Enquanto ela fala, aparece a cena mais corajosa do filme. Um camburão invade o calçadão da Praça da Sé no meio da madrugada. Os policiais arrancam crianças-de-rua de seu sono, ao pé de uma árvore. Jogam-nas dentro do compartimento dos presos. Tudo indica que o destino delas será o extermínio.

Continuam os casos registrados. Na época do império, um negro é alugado para fazer a contabilidade de uma empresa. Acusado de roubo, foge. É preso e violentamente espancado. Seu proprietário processa o dono da empresa que o alugou. Prova que o escravo não roubara nada. Exige indenização, dizendo que seu patrimônio foi danificado. Ganha a causa e recupera com lucros o investimento perdido na recuperação do escravo.


É desse jeito que nasceu o capitalismo. Seres humanos eram mercadorias. Depois no capitalismo maduro, tornaram-se menos do que isso. Apenas objetos de exploração. Mas hoje, também há os que nem isso são mais. São os desempregados, mendigos, presidiários, crianças abandonadas.


Nem por isso deixam de ser fonte de lucros, acusa o filme de Bianchi. Mas também sobram ataques aos governos. Há, por exemplo, uma propaganda governamental que conta as maravilhas envolvidas com a criação de empregos através da construção de presídios. Um outro comercial cita o dinamismo da ação solidária. Um entusiasmado locutor diz que cada criança desamparada gera 5 empregos. A lógica é óbvia. Multiplicar o número de criminosos e crianças pobres para criar empregos!

Mas tudo isso tem uma galinha dos ovos de ouro. É o acesso aos fundos públicos. Seminários e cursos ensinam como agarrar essa galinha sem ficar só com as penas nas mãos. O caminho passa por conhecer a pessoa certa na hora certa e no lugar adequado. A taxa de acesso varia entre 15% e 20%, claro.

Uma conta muito didática é exposta. Diz o filme que são cerca de 10 mil crianças de rua no Brasil. As verbas públicas reservadas para dar conta do problema seriam de, mais ou menos, 1 milhão de reais. Este milhão dividido pelas 10 mil crianças seria suficiente para lhes pagar escola particular do primário até a faculdade, por exemplo. Mas esse dinheiro precisa passar por ONGs, entidades assistenciais e empresas "solidárias". Tal como no caso da senhora escrava e da branca esperta a liberdade tem intermediários prontos a lucrar com isso.

Entidades "pilantrópicas" seqüestram o dinheiro público usando os pobres como reféns

O que parece ser uma alternativa a tudo isso surge com o personagem do presidiário negro. Numa cela superlotada ele olha para a câmera e explica "Quando éramos escravos, éramos máquinas. Investimentos de capital. Tínhamos que ser mantidos alimentados e saudáveis. Agora, somos escravos sem senhor". E conclui: "Na democracia, só existe liberdade para quem pode consumir".

Esse mesmo personagem foge da cadeia. Pagou para isso e, agora, quer recuperar o investimento. Seqüestra um dos sócios de uma ONG. Consegue receber o resgate, depois de enviar uma orelha e outros pedaços do refém à sua esposa. Chama a isso de redistribuição de renda.

Enquanto isso, a negra Arminda descobre o superfaturamento na compra dos computadores feita por uma ONG para sua comunidade. Consegue provas da maracutaia. Exige que a entidade use o dinheiro que desviou para comprar computadores decentes. Sem conseguir ser atendida, ela invade uma festa da entidade e grita: "Lugar de ladrão é na cadeia".

Diante disso, os pilantras e seus amigos políticos decidem resolver o problema. O matador-de-aluguel é convocado. Vai atrás de Arminda, tal como o capitão-do-mato fizera com a escrava fugida. Arminda morre com um tiro. O filme acaba. A sensação é de que não há saída. Mas, há um final alternativo.

Depois de iniciados os letreiros finais, a cena se repete. Dessa vez, Arminda convence o matador a poupar sua vida. Propõe formar um grupo para seqüestrar todos "os filhos da puta que roubam dinheiro do Estado". Agora sim, o filme acaba.

O problema é que o final alternativo também não aponta soluções. Claro que a vontade é concordar com Arminda e sair fazendo justiça com as próprias mãos. Mas, justiça será feita mesmo é coletivamente. A partir da organização dos de baixo para exigir políticas públicas reais. ONGs desonestas e entidades "pilantrópicas" devem ser condenadas. Elas seqüestram o dinheiro público usando os pobres como reféns. Mas, seqüestrar os seqüestradores não resolve. Eles só existem porque se beneficiam do esquema maior do poder. Da terrível distribuição de renda e da secular dominação racista.

Além disso, há o risco de valorizar demais as relações de dominação e exploração entre pobres e menos pobres. O principal é fazer mira nos poderosos, nos governos ou fora deles. O resto é conseqüência. De qualquer maneira, é um filme corajoso.
 



quinta-feira, 14 de março de 2013

Brasil é país que mais concentra terras no mundo



Buscado no Fazendo Média 

 

Da Comissão Pastoral da Terra (Regional Nordeste II)

Especial para Caros Amigos

O declínio dos dados referentes à Reforma Agrária em 2012 são assustadores. No ano que se encerrou, o Brasil assistiu a Reforma Agrária atingir um de seus piores indicadores em décadas. Em um país onde existem cerca de 200 mil trabalhadores e trabalhadoras em luta pela terra, o Governo Brasileiro desapropriou apenas 31 novas áreas, totalizando somente 72 mil hectares, segundo informações do próprio Incra. Neste mesmo ano, somente 23 mil famílias foram assentadas em 117 assentamentos criados a partir de processos muitos antigos. Índices tão baixos só foram atingidos na década de 90, com o Governo de Fernando Collor. O Brasil permanece com o posto de país que mais concentra terras no mundo.
Vale ressaltar que 120 milhões de hectares de terras em grandes propriedades improdutivas foram detectados quando da elaboração do segundo Plano Nacional de Reforma Agrária, em 2003. De lá até aqui, nenhuma medida concreta alterou a concentração de terras no país.
Já que o Governo não desapropria as terras dos latifúndios que não cumprem a função social, como manda a Constituição, deveria, ao menos, destinar as terras Públicas devolutas para fins de Reforma Agrária. O problema é que grande parte destas terras está sob domínio do agronegócio. São mais de 309 milhões de hectares de terras que o Censo agropecuário de 2006 classificou como “outras ocupações”.
De acordo com as análises do professor e pesquisador Ariovaldo Umbelino, o dado corresponde como sendo terras públicas devolutas, que o Censo não incluiu na classificação. Soma-se a isto, milhares de hectares de Terras da União, que desde o século XIX, encontram-se nas mãos dos usineiros na região Nordeste, por exemplo, sem pagamento de impostos nem de taxas de aforamento. Onde existe ocupação de Terras da União por povos tradicionais e posseiros, há a ameaça do agronegócio e da mineração, como na região Norte.
Os números envergonham e comprovam: O Estado brasileiro não foi constituído para realizar uma ampla e radical modificação da estrutura da propriedade da terra e os diversos Governos que passaram pelo Palácio do Planalto nada ou pouco fizeram para tencionar em favor da democratização das terras no país.

Questão de Estado
Os números vergonhosos para o país resultam da escolha, histórica e injustificável, dos Governos pela implementação do agronegócio como modelo ideal de desenvolvimento para campo. O Capital financeiro-industrial-agrário torna-se cada vez mais fortalecido, se alicerça no apoio e proteção do Poder Judiciário, no Parlamento e nos diversos setores do Governo Federal.
Cada vez mais a terra se consolida como simples ativo econômico a serviço do mercado em suas diversas formas de especulação e expansão. Ao optar pelo modelo clássico-concentrador de produção agropecuária, inclusive através de financiamentos públicos e incentivos fiscais, o Brasil parece continuar a repetir os mesmos erros do tempo das capitanias hereditárias, mas com o cinismo dos paradigmas de mercado.
Enquanto isso, os investimentos para a agricultura camponesa e especialmente para a Reforma Agrária continuam reprimidos pela falta de recursos e normas excessivamente protecionistas do latifúndio. De forma associada, mercado e Estado passaram a praticar uma espécie de ‘bullying’ contra a Reforma Agrária, através do esvaziamento das políticas públicas para as famílias camponesas, de forma a impor o Agronegócio como modelo “único” e “consolidado”. Neste cenário desfavorável, o grande Capital acaba por distanciar os movimentos sociais de luta pela terra da realização do seu projeto camponês.
O outro reflexo, não menos perverso, ocorre pela corrida desenfreada do Capital por novos ativos econômicos com maior potencial de expansão. Nesse caso, outro grande revés sofrido pela coletividade ocorre através dos danos ambientais. A destruição da floresta Amazônica e do Cerrado voltou a acelerar em 2012, acompanhando a dinâmica de hegemonia e ocupação do território pelo agronegócio. Nestes casos, alguns elementos são obstáculos a serem eliminados para a maior expansão do agronegócio: as florestas, os projetos de assentamento da Reforma Agrária e as populações tradicionais, não por coincidência, cada vez mais negligenciadas e criminalizadas pelo Estado brasileiro.
A ousadia ilimitada do capital se materializa nas medidas de Governo. A nova frente de ação em curso no Congresso e no Governo Federal é a flexibilização da compra de terra por o capital estrangeiro, que encontra-se ávido por participar dessa cruzada anticivilizatória em curso nos campos brasileiros. Em projeto já aprovado na Câmara dos Deputados no segundo semestre do ano passado, qualquer empresa ou pessoa física de qualquer país do mundo poderá adquirir terras no Brasil. Para tanto, precisará apenas constituir ou adquirir empresas no país. O relator do projeto na Câmara, o Ministro da Agricultura, garante que a proposta será acolhida pelo Governo. Não restará ao país sequer as diferenças legais que o distingua da antiga condição de colônia.

Transformação estrutural
Esta “pujança” do agronegócio ainda é cotidianamente exaltada pela grande mídia. Não é por acaso também que quase não há visibilidade para a violência cometida todos os dias pelos empreendimentos do agronegócio. De acordo com os dados parciais da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de janeiro à outubro de 2012, o ano foi marcado pelo aumento da violência do poder privado contra as famílias camponesas em processos de luta e resistência. Pouco ou quase nada desta violência foi estampada nos Jornais e na TV. Neste período, foram registrados o assassinato de 21 camponeses e a tentativa de assassinato de 96 pessoas no campo.
A ação de pistolagem cresceu em todo País. Na região Nordeste teve um acréscimo de 133%, a Centro Oeste de 73%. Já na região Sudeste, o número de famílias vítimas de pistolagem passou de 371 famílias para 1.198, correspondendo a um aumento de 323%, comparado com o mesmo período do ano anterior. O aumento destas ações de violência privada ocorre pela omissão e conivência do Estado, como também pela perversidade e ânsia do capital em explorar novas terras.
Como não há força nem vontade em alterar o modelo de produção no campo nem a estrutura fundiária, os programas que fazem parte da chamada Reforma Agrária apresentam-se de forma tímida e muito burocratizada: não provocam e não exigem o avanço de um verdadeiro projeto de Reforma Agrária que garanta a permanência das famílias na terra. Também inviabilizam o aumento da oferta de alimentos baratos e sadios, além de não eliminarem a pobreza no campo. O que se vê é o caminho inverso.
A ausência do Estado para a consolidação de uma agricultura camponesa nas áreas já desapropriadas acaba por “transferir” as terras para a intervenção livre e aberta das grandes empresas de monocultivos. São muitos os agricultores e agricultoras assentados que se vêm pressionados e submetidos às investidas do agronegócio.
A luta pela Reforma Agrária no Brasil só pode assumir a face de uma luta anticapitalista. Portanto, não há possibilidade da realização da Reforma Agrária em nosso país sem uma mudança na estrutura do Estado e das relações de poder, sem uma profunda alteração entre o sistema político e econômico, hoje um só.
A realização da Reforma Agrária só se dará via processo de ruptura do modelo em curso, com a atuação corajosa de governos populares e com um intenso processo de lutas, organização e mobilização popular, o que não tem sido visto nos últimos anos. É necessário construir uma correlação de forças e uma conjuntura mais favorável para que o campesinato possa seguir semeando alimentos e sonhos para toda a sociedade.

(*) Reprodução da Caros Amigos.